quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Uma Macabéa no mundo dos livros, Ou Sete sem a rádio relógio


Há quem ache estranho, até mesmo confuso, o fato de personagens do universo ficcional contarem fatos do mundo real. Mas, os que aqui se prestam a esse contar são mais que personagens; são autores! Foram escolhidos por mim justamente porque tenho que contar minha história de leituras, e, sem eles, minha história seria muito diferente. Assim que os escolhi e é tarefa deles darem conta do que li. Afinal, se tantas vezes me juntei a eles, seria injusto eles nunca se juntarem a mim. Escolho assim três autores para narrar essa história. Deixo claro que ficará por conta deles o modo a ser contado e ouço, não sei de qual deles, que é justo que ao menos um pouco seja irreal. Resolvem que eu não serei eu, aliás, serei, mas não figurarei com o meu nome. Passo então a palavra aos meus três autores, a saber: Brás Cubas, Paulo Honório e Rodrigo S. M. e percebo, ainda antes de me retirar, que já brigam por um título da história. Não sei não o que terei após esse encontro de autores de tempos tão diferentes!

Uma Macabéa no mundo dos livros,
Ou Sete sem a rádio relógio


"Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida". Ela já existia desde 20-8-1972. Porém, a meu ver, ela começa a nascer em 1979. Talvez porque eu a tenha conhecido neste ano.
Quero antes afiançar que essa menina não se conhece senão de ir vivendo. Eu a vi chegar sozinha, vestia uma saia azul marinho, plissada. A camiseta hering branca ainda não sabia que deixaria de ser uma simples malharia para ser grife. Foi o primeiro dia de aula. Crianças corriam e puxavam suas mães pelas mãos. Ela continua sozinha. Soou o sino e diversas filas formaram-se. Ao ouvir o lugar que os novatos deveriam ocupar, enfileirou-se.
Na sala a professora apresentou-se: Márcia. Depois pediu aos alunos que se apresentassem. Ouvi um "quero ser professora". A voz e a saia pertenciam à menina. Deu-se a hora da chamada, pensei que conheceria o nome dela, mas não foi chamado. Levantou-se e foi até a professora Márcia que não soube dizer a razão da ausência na chamada, mas pediu que no dia seguinte voltasse junto com a mãe. Foi o pai. A mãe era muito ocupada com as irmãs menores. Soube-se então que a menina era nascida 20 dias após o tempo permitido para matricula no ano letivo, por conta disso não podia estudar já que só completaria sete anos em agosto. A menina chorou, o pai conseguiu que ela ficasse assistindo aula, mas qualquer mau comportamento e sua permissão seria cancelada. Foi aluna curiosa e melhor que muitos dos matriculados. Mas, ao término do ano letivo, suas notas, ainda que acima da média, não garantiram seu ingresso na série seguinte.
Tomado por uma curiosidade corrosiva voltei no ano seguinte para descobrir o nome dela. Está mais crescida. A saia plissada tem uma cor desbotada, o branco da blusa ainda é quase o mesmo, apesar de gasto. Vejo que traz às costas uma bolsa azul e amarela, descubro que foi um caro presente pelo ano anterior.
Pretendo escrever de modo simples. Aliás, o material de que disponho é parco demais. Sim, mas não esqueço que o meu material básico é a palavra. Desculpai-me, mas vou continuar. Um segundo primeiro ano. A professora apresenta-se. Seu nome, Iracema. Pergunto-me se a menina lerá Iracema, se a professora contará a história de Iracema. Não. A professora faz um crachá para cada aluno e os coloca nas carteiras. Não posso olhar os crachás e descobrir o nome dela, então fico atento a Iracema que está apta a fazer a chamada. Um número! A professora deu um número para ela! Ela é 7. Se7e? Sete? Que seja Sete então, não a abandonarei por conta disso.
Autores reais não fazem parte desse contar, mas é possível que Sete descubra que Mário de Andrade já contara dos números das pessoas. Sete, se viver o bastante para ler "Primeiro de Maio", saberá o que significa ter um CPF, PIS, um número de inscrição. Um número de classificação.
Será que eu enriqueceria esse relato se usasse alguns difíceis termos técnicos? De uma coisa tenho certeza: essa narrativa mexerá com uma coisa delicada. Não, não é fácil escrever. Neste segundo primeiro dia de aula acompanhei Sete até sua casa. Não tinha novidades, tudo era muito igual ao ano anterior. Encontrou a mãe com todas as tarefas por fazer, rasgando um livro e queimando pedaço por pedaço. Pediu pelo almoço e a mãe explicou que Sete era a única culpada por tudo estar atrasado. Ouço a mãe de Sete dizer que não sabe a razão de a filha ter retirado de algum lixo um livro grosso, de folhas encardidas e sem nenhuma figura. A mãe explica que encontrou o livro e começou a ler para saber o que aconteceria à moça e à sua família que sofria muito com as mortes por conta da fortuna em ouro em suas terras. Conta que a moça até viajou de trem com o pai e que muitas mortes aconteceram, mas que ao chegar às últimas páginas do livro descobriu que a história continuava no volume II. Por isso estava rasgando, já que não tinha fim. Atrevo-me a dizer que a mãe de Sete nunca mais lerá um livro sem antes se certificar de que o mesmo tenha fim.
Nessa minha ida ao futuro para saber da mãe de Sete se passaram alguns anos. A família mudou-se de cidade e só consegui encontrá-la em 1983, a aula é de Educação Física. Ao contrário dos colegas Sete usa uma saia e chinelos de dedo. Dirige-se à professora e conta alguma história da sua indisponibilidade. Fico distante, mas consigo ver que ela, logo depois de falar com a professora, pede a um colega um livro esquecido fechado sobre o banco. Este empresta. Fico a olhar o olhar dela e percebo que lê rápido, parece querer terminar até o final da aula, mas não dá conta. Vejo-a novamente dirigir-se ao colega e dizer algo, não sei o que é, mas presumo que tenha pedido para levar o livro para casa. Afinal, foi isso que aconteceu.
Já na casa diz à mãe que é tarefa do colégio e livra-se de ajudar nos afazeres domésticos. Sete tem nas mãos A Ilha Perdida, de Maria José Dupré. O olhar dela se perde nas aventuras com os micos e é visível a simpatia por Simão. A devolução do livro no dia seguinte é a garantia de novos empréstimos.
Pergunto-me se eu deveria caminhar à frente do tempo e esboçar logo um final. Eu, que tantas vezes acompanhei Macabéa, resolvo que vou assistir a uma aula com Sete. Vejo-a conversando, durante a aula, com uma colega dois anos mais velha. Depois, no meio do caderno, vejo um livro. O professor escreve no quadro e não vê Sete retirar o livro e colocar na bolsa. Após isso ela mantém o olhar atento aos movimentos do professor, não sei se entende o que ele diz. Vejo-a empolgar-se quando o professor começa a ler uma história. Ele, no entanto, interrompe a leitura e diz que a história continua sim, mas é hora de continuar a matéria. Sete pede ao professor para ir ao banheiro, ele consente. Aproveito a saída dela e dou por encerrada a minha visita, mas vejo que Sete não se dirige ao banheiro, sim à biblioteca. Lá diz que foi buscar o livro da velhinha lambreteira, a bibliotecária pede nome da obra e autor. Sete não sabe. Volta para a sala de mão abanando.
Aquele livro escondido durante a aula do professor é um romance. A amiga empresta tantos desses livros a Sete que não consigo nem dar conta dos nomes. Um dia flagrei Sete devolvendo um deles e perguntando à colega: "o que é despiu-se", a colega responde. Encorajada Sete indaga: "e tépido"? Novamente a colega satisfaz a curiosidade. Interessei-me por saber o que eram exatamente esses romances e sei dizer que são aqueles livros trocados/vendidos nas bancas de jornal. Sete os lê cada vez mais rápido, algumas dezenas de dúzias de títulos passam por suas mãos, até que o pai a surpreende lendo, abre o livro aleatoriamente, e, para infelicidade de Sete justamente na única página "imprópria".
O livro é incinerado. Sete desespera-se porque não é seu e terá que devolvê-lo. O pai, após recomendar a leitura da Bíblia, sai. Fico em dúvida se ajudo Sete a dar conta da fogueira ou se sigo seu pai, opto pela segunda opção. Assim, acompanhei-o de longe e vi-o entrar na biblioteca municipal. Sentei-me por perto com uma Enciclopédia nas mãos e ouvi-o dizer à bibliotecária que não deixasse a filha retirar romances outra vez.
Sete descobriu isso no dia seguinte ao falar com a bibliotecária. Esta bem conhecia Sete e o pai dela e então mostrou à menina o bilhete que o pai deixara proibindo-a de ler tais livros. Eu, ainda na Enciclopédia do dia anterior, vi a menina consentindo com a cabeça, sem nenhuma palavra, a não ser uma pilhéria sobre o fato de o pai ter escrito seu nome errado. Em seguida dirigiu-se à sessão dos romances, pegou um deles, certificou-se de que não estava faltando folha e o leu inteiro. Voltou vários dias a biblioteca e os leu lá, assim os livros não corriam o risco de serem rasgados, queimados ou terem quaisquer outro fim.
Se ainda escrevo é porque Sete descobriu quem era o autor da velhinha lambreteira. Claro que só muitos anos depois ela vai saber que Stanislaw Ponte Preta é um pseudônimo do Sergio Porto, mas isso não importa, agora ela só quer saber o que a velhinha traz no saco, digo, na lambreta. Ou melhor, a lambreta.
As leituras de Sete são sempre escolhidas por ela. Os volumes grandes, ainda que com letras minúsculas, não a intimidam. Começa a freqüentar a biblioteca da escola e a bibliotecária, que é a mesma senhora da cozinha, um dia conta que sua filha chama-se Pollyanna por conta de um livro onde a heroína tinha esse nome. Isso atiça a curiosidade de Sete, que não sossega enquanto não lê a Eleanor H. Porter com sua Pollyanna. Sete chorou, mas acho que não gostou muito da menina que se contentava e dava graças a tudo, tudo. Sete nunca praticou o jogo do contente.
Chega o dia em que Sete começa a pular as páginas dos livros. De longe imagino que é por falta de tempo, já que tem que ajudar a mãe com as irmãs menores, mas não, já que logo tem um novo exemplar nas mãos. Confesso que não sabia que Sete já havia percebido que as histórias que lia possuíam a mesma estrutura e por isso pulava as páginas, já que nada de novo era apresentado. Esse período de pular páginas continuou com ela por alguns anos, acho até que ela nunca abandonará isso já que vez ou outra tem diante de si histórias recontadas, às vezes, requentadas.
Perdi-me no calendário, a menina criada em 1979 já se encontra em 1986. Está crescida e lê ainda. Traz à mão um exemplar capa dura, do Jorge Amado. Junto um resumo. Sigo-a e vejo na porta da sala que está na 8ª série. A professora pede aos grupos que apresentem seus resumos à sala antes de entregá-los para nota. Sete tem um resumo escrito de Mar Morto, mas não recorre a ele para contar a história, percebo que o maior resumo oral é o seu. Após Sete, uma colega apresenta Capitães da Areia. A professora deu a tarefa por encerrada e, nisto, vejo Sete solicitando o Jorge Amado da colega para ler. Também ela quer percorrer as páginas dos meninos de rua.
E agora — agora quero fumar um cigarro — mas antes tenho que passar a narração ao Brás Cubas. Mas que não se lamentem os mortos: eles sabem o que fazem.

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"Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar" o que Sete leu (não sei se o Rodrigo acerta na escolha desse nome) ou o que Sete lê; mas, coube a mim esse trecho da história e serei apenas o meio. Nem o inicio. Nem o fim. Dito isto, peço que me perdoem (ou não) a ironia, mas eu, que vivi muito e ainda após minha morte tenho acompanhando o mundo, não entendo como os professores não se cansam de pedir resumos!
Este recente caso que o Rodrigo S. M. contou fez-me lembrar que um outro professor também pediu um resumo. Por conta disso uma colega de Sete devia ler e resumir O Alienista. Reclamou com Sete e teve nela tudo o que precisava. Não só o resumo, mas também a reprodução da história.
"Não sendo meu costume dissimular ou esconder nada", contarei que Sete ainda tem por colega a dona dos romances da 5ª série e ambas lêem os Sidney Sheldon, Janet Dailey, Harold Robbins e muitos títulos da Coleção Sabrina, Coleção Bianca, Coleção Júlia, Momentos Íntimos. Trago aqui alguns dos títulos com suas respectivas autoras: Pássaro de Ouro, Barbara Cartland; Amante indócil, Janet Dailey; A sereia de Cowrie Island, Kerry Allyne; Mitsi, M. Delly; Sob o signo da paixão, Laurel Ames; O Rival, Rosemary Carter; Encontro mágico, Janelle Taylor e Pacto de ódio, Anne Hampson.
A amiga até deu a Sete dois exemplares da Agatha Christie, mas após ler Os Doze Negrinhos e Os Elefantes não Esquecem a menina deu por encerrada a sua seara de leituras policiais. Não, minto, no futuro ela lerá um outro livro do gênero, mas o Jô Soares ainda não escrevera O Xangô. Sem nenhum interesse pelo detetive Hercule Poirot, Sete encanta-se com a história de amor do padre em Pássaros Feridos, de Collen McCullough. Noto que chora em alguns momentos e em outros pula as páginas para adiantar a história.
Exatamente dois dias depois arrisco visitá-la à noite. Encontro as luzes da casa apagadas. Fico por ali um momento e noto uma luz que se acende. À espreita deduzo que é Sete. Esta se dirige ao banheiro e, após apagar a única luz que clareava, lá acende uma outra. Demora-se tanto que ouso olhar pela janela de vidro. A luz, fraca e amarela, ilumina uma menina sentada no chão sobre roupas deixadas para lavar. Forço o meu olhar e lágrimas banham a face de Sete. Em suas mãos o Segredo de Uma Promessa é desvendado à medida que Danielle Steel autoriza. Dias depois a encontro com a versão infantil de Dom Quixote; era de uma colega e não sei se chegou a ser devolvido. Creio que há um Cervantes nos seus livros.
Olho no calendário é já o ano seguinte. Adianto que fiquei vexado e aturdido. Vejo outra professora na tarefa de dividir a sala em dois grupos. Para um deles cabe a acusação, para outro a defesa da mulher de Bentinho. Sete que até este dia lera vários fragmentos do livro Dom Casmurro, bem queria que a obra se chamasse Capitu. Na semana seguinte volto curioso para saber o que Sete dirá. Ouço-a conversar com uma amiga sem saber se Capitu traiu ou não o Bentinho, os fragmentos não deram conta disso. A amiga diz o que leu e Sete participa do júri simulado de maneira fragmentada. O júri encerra-se com a voz da professora dizendo: "Capitu não traiu Bentinho, mas a equipe de acusação apresentou provas que a defesa não deu conta de refutar". Sete, ao saber da conclusão da professora, não me permitiu saber se seus olhos secaram ou se ressecaram, sei que essa obra do Machado foi-se.
Os dias passaram. Fui vê-la uma vez mais no colégio. Por acaso era a mesma professora do parágrafo anterior. Naturalmente a conversa com os alunos versou para um resumo! Sim, da obra Quincas Borba! Efetivamente nunca mais voltei a ver Sete nesse ano. Então que não sei se esta professora incumbiu os alunos de novas leituras, mas vi Sete com um livro de um tal Roberto, não sei se Freire. O livro era o Sem Tesão Não Há Solução. Também não sei se Sete procurava solução ou o tesão na obra. Também a vi na biblioteca municipal, ainda é a mesma bibliotecária, retirando um volume com o título Feliz Ano Velho, do Marcelo Rubens Paiva. Devolveu-o uns dias depois, sem ler e pegou Cristiane F., 13 anos, Drogada e Prostituída. Esse leu até o fim certa de que nunca seria uma Cristiane, nem mesmo uma Marcela.
Esqueço-me de Marcela e resolvo seguir Sete. Ri-me, depois hesitei por um momento diante da bibliotecária que perguntou a Sete o que achou do livro Cristiane F. ., 13 anos, Drogada e Prostituída. Já estava para respondê-la quando Sete disse: "nunca usarei droga" e deu por respondida a questão. Procurou um novo livro e saiu com o Arnaldo Jabor nas mãos, era o Eu Sei Que Vou Te Amar. Com efeito, ao cabo de dois dias encontro Sete novamente. Estava ela com o Taunay, digo, com o livro Inocência. Já ia me esquecendo do autor mais conhecido do Brasil! Sim, o que faz parte da Academia de Letras. Sete leu dois de seus impressos: O Alquimista e Na Margem do Rio Piedra eu Sentei e Chorei. Tenho minhas dúvidas se o Machado não choraria! Ou se não faria alguma alquimia para que a Academia nunca tivesse surgido.
Para dizer a verdade a vida de Sete muda um pouco. Está no segundo ano do colegial e o faz à noite. Conta ela agora com uns quinze para dezesseis anos. Arrumou um emprego em um consultório odontológico, trabalha oito horas por dia e esqueceu que quer ser professora. Ouvi-a dizer que a profissão a ser seguida é a de dentista. Tenho cá comigo umas duvidas já que na primeira semana no emprego Sete volta para casa e não consegue sequer se alimentar. As bocas que lá vão causam náuseas. Mas eu não quero passar adiante sem contar que semanas depois Sete acostuma-se.
De envolta com a história das leituras é preciso dizer que a correria do trabalho e das aulas noturnas rareiam-nas. Ainda assim, não é impossível vê-la trocar as tarefas do colégio por um exemplar do Sidney Sheldon: A herdeira; Nada dura para sempre; Se houver amanhã; O reverso da medalha e muitos outros. Também a vi muitas vezes lendo gibis, tinha um certo apreço pelas histórias do Fantasma, mas era o gênero romance que estava sempre presente. Neste ano, no entanto, foram bem menos os Harold Robbins, as Danielle Steel e os demais romances trocados. Foi esse o ano que Sete reprovou, não se deu bem com a trigonometria, nem com a professora. Mas esta me lembrou o Ludgero Barata. Suspendo a pena para meu ex-professor e volto a Sete.
Fez o repeteco.
Depois, a última série encontrou-a ainda trabalhando; e tem sempre um romance à mão.
Sete prestou o primeiro vestibular para Administração. O curso de odontologia havia se perdido, ainda que ela não soubesse. Por distração não passou no primeiro vestibular, somou um dos gabaritos errado, uma questão a mais e ela seria administradora.
Ano seguinte Sete acha que é necessário fazer cursinho. Lá percebe que a professora de Literatura conta resumos (hás de ser sempre a mesma cousa) das histórias catalogadas para o vestibular. Ouço, numa dessas minhas aparições (não, ainda não é a de Vergilio), a professora contando o Guarani. Sete, míope na primeira fila, percebe que a professora conta o resumo de algum resumo e termina a história. Assim, desfila-se uma história de leituras obrigatórias. Sete parece não gostar do que lhe é imposto. Até começa uma determinada obra, mas se essa não ativa em Sete alguma coisa, é deixada de lado sem nenhum receio de prejuízo, ainda que valesse uma questão inteira no vestibular. Um desses que foi impiedosamente deixado foi o Olhai os Lírios dos Campos, do Érico Veríssimo. Sete nunca o retomou, mas sabe que está em divida.
O José de Alencar de sua primeira professora (oficial) foi lido com muitas páginas puladas. Depois de Iracema, Lucíola, Senhora e Sertanejo, Sete chorou muito ao ler o Lobato contando a história da Negrinha.
Fiquei só. Desde então fiquei perdido. Às vezes, é, tem acontecido, me deixo lá ouvindo os soluços de Sete e esqueço de que minha tarefa é contar suas leituras. Estou entre os anos de 1991 e 1997. Ao cabo de alguns anos de peregrinação caí em mim e é preciso informar que Sete aventurou-se por diversos vestibulares. Depois do quase sucesso na Administração fadou-se por outros rumos sem norte.
Era já o fim de 1997 quando a vi indo e vindo entre borboletas num borboletear-se amarelo e vivo. Trazia consigo Cem Anos de Solidão. A Remédios, do Gabriel Garcia Márquez, flutuava com as borboletas e Sete colou-se nela com um entusiasmo capaz de reler o capitulo. Percebi um olhar de esperança ao ler essas páginas e que a mesma foi engolida junto com a última personagem, pelo suíno. A morte de Remédios deixou em Sete um ar cheio de borboletas. — Vejam como é bom ser superior às borboletas! Porque, é justo dizê-lo, se ela fosse azul, não teria mais segura a vida!
No ano seguinte Sete começou a graduação nas Letras. Era uma acadêmica de prolongar a Universidade pela vida adiante. Fui ter com ela um dia. E aí, como um escárnio, vi que o professor orientou os alunos a lerem alguns livros e fazerem, sim, fazerem resumos (malditas idéias fixas!). A dessa ocasião era o Mar Morto. Há tempos Sete havia lido o romance, era só mudar o nome de resumo para síntese e estava pronta a tarefa. Só que o professor também pediu a caracterização das personagens, Sete releu a obra. Deixei-a para voltar semanas depois. Nessa época Sete já havia descoberto os bons contistas. Não foram poucas as vezes que um Dalton Trevisan, Clarice, Guimarães Rosa, Lima ou Machado fizeram companhia a ela. Inclusive um Marçal Aquino teve o seu O Amor e Outros Objetos Pontiagudos, lido. Não sei se o achou bom contista, creio que não. Passou logo para o Vaso Azul, do senhor João Anzanello Carrascoza, outro que se diz contista! Mas, devo dizer, que dificilmente a vi com um poema, afora os dados e lidos durante as aulas.
Um sorriso magnífico lhe abriu os lábios. Sete descobre alguns dos clássicos, entre eles, vejo Plauto, por seu Anfitrião, também o Virgílio com sua Eneida. Sei de sua simpatia por Medeia, de Eurípides e de sua quase aversão a Penélope, do impacto causado pela obra Satyricon com suas cenas tão antigas e ainda atuais. Os Lusíadas teve seu cântico IV bem lido, mas, "inteiro", só em uma versão infantil. Também nesta versão Sete leu Robinson Crusoé. Já O Auto da Barca do Inferno foi lido na integra, não sei se Gil Vicente vê crédito nisto.
Apesar do meu saber ser limitado, acredito que Sete é dada à catarse, não sei se chega a purgar os seus males, mas, vez ou outra, observo seus olhos e há neles lágrimas sentidas. Ressalto que é difícil ver nela o riso da alegria, as comédias parecem ser amarelas aos olhos dela, mas não de um amarelo vivo, sim de um sem graça.
Ora aconteceu, que, uma voz misteriosa sussurrou: "veja os livros no armário dela!" Foi o que fiz. — Acredita-me? — Pois estavam lá divididos em lidos e para ler. Resolvi olhar os lidos. Comecei pela Lygia Fagundes Telles: Ciranda de Pedra, Antes do Baile Verde, As Meninas; depois a novela do Luiz Villela: Te Amo Sobre Todas as Coisas; e também uma novela do Machado de Assis, Casa Velha; ainda os contos e romances do Ivan Ângelo: O Ladrão de Sonhos; Pode Me Beijar se Quiser; O Comprador de Aventuras e Outros Contos. O Homem que Sabia Javanês e Outros Contos, Histórias e Sonhos, do Lima Barreto. Monsieur Teste, Paul Valéry; A Moreninha, Joaquim Manuel de Macedo. Sereníssima, da Erica Jong e O Mário de Andrade com o Macunaíma. E por falar em Macunaíma, ela também leu, do Jorge Miguel Marinho, o Te dou a lua amanhã... Defendi-me do melhor modo com essa voz misteriosa.
Há aí uma alma sensível que decerto começa a tremer pela história das leituras de Sete. Retira, pois, a expressão alma sensível. Com efeito, não percebi que A Festa, do Ivan Ângelo, terminou e que Sete ia e voltava por seus incômodos.
Sorrateiramente volto à noite ao armário dela. Lá estão os livros. Não sabia que Sete tinha passado férias com Somerset Maugham. Ah, e foram Férias de Natal. Natal? Sete nem comemora natal, uma vez a ouvi dizer que isso é mera ficção. Natal? Isso me intrigou. Será "O Peru de Natal", do Mário de Andrade? Sete tem simpatia por ele desde que descobriu porque era um número em "Primeiro de Maio". Esqueço o natal ao notar a ordem de Clarice: Água Viva, Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres e, claro, A Hora da Estrela. Depois percebo o David Herbert Lawrence: A Virgem e o Cigano, Mulheres Apaixonadas e O Amante de Lady Chatterly.
Ao fundo vejo livros de contos do Murilo Rubião, Rubem Braga, Rubens Fonseca, Mário de Andrade, Clarice Lispector e meu autor real, o Machado de Assis. Entrei a desconfiar de qual Cartomante Sete gostou mais. A de Machado ou a de Clarice? Era o que eu buscava saber. Sete dorme agora, senão, sério que perguntaria, nem que isso lhe revelasse minha presença.
Enquanto eu fazia comigo esse reflexão quase deixo cair A Bela da Tarde, do Joseph Kessel. Será para Sete a Severine mais consistente que a Hélène Lagonelle da Marguerite Duras, no seu O Amante? Talvez Sete ainda não saiba se Madame Bovary, de Flaubert, poderia ser a mesma personagem de Balzac na Mulher de Trinta. Ou se esta, no passado, fora Lolita nas páginas de Vladimir Nabokok! Bem poderia ter vindo ao Brasil e sido A Polaquinha, do Dalton Trevisan! Interrompo minhas divagações ao ver que a seqüência traz O Vermelho e o Negro, Stendhal. Não, não tenho que acordá-la para saber.
Perco-me novamente em um calendário qualquer. Sete ignora-me não só por não saber de minha visita. Também porque lê Zero, do Ignácio de Loyola Brandão, e afia-se na ironia ao perceber os romances tão lidos por ela. Sinto nela uma ironia que corrói, não sei se a encontrou nas suas leituras dos contos machadianos, se no Lima Barreto ou mesmo Stendhal. Não sei se ri de si ou de mim por atrever-me a enveredar por leituras dignas de uma heroína problemática.
Volto-me então novamente para seus livros e lá vejo A Força do Destino e A Casa da Paixão, da Nélida Piñon. Questiono se não abandonei Marta (ou Sete?) no momento que quebrou os dois vasos, talvez tive medo de ver-lhe o sol banhando sua pele. Ernest Hemingway, no entanto, por saber que O Sol Também se Levanta deixou que Sete voasse com A Asa Esquerda do Anjo, da Lya Luft. Talvez por isso ela tenha chegado a Ituiutaba e nas páginas de Luiz Vilela conheceu Graça. Ou Lewis Carroel a deixou participar d'As Aventuras de Alice no País das Maravilhas? Depois de uma Tempestade sei que pode ser A megera domada, do Shakespeare. Aliás, não sei. Nunca entendi as mulheres.
Sete, quais páginas lê que não me tira desse inferno de Dante que é narrar sua história e mais parece o sétimo circulo de A Divina Comédia? Ri de que se sabe que é ficção, da Simone de Beauvoir, e nem Todos os Homens são Mortais? Pare de indagar se o Sartre tinha idade ou razão quando escreveu a Idade da Razão! Livre-me do quadro de Oscar Wilde porque eu nunca teria duvida do amor de Siby. Ah, O Retrato de Dorian Gray! Deixe-o lá que insiste em conservar-se belo e perde o amor e a vida de Siby porque se julga um Raymond Fosca melhor que o da Beauvoir! É dela as Memórias de Uma Moça Bem Comportada, não do Dorian Gray.
Enfim! Também me incomoda o fato de não poder perguntar a Sete o que ela achou da humanização da Baleia no Graciliano Ramos de Vidas Secas, incomoda-me mais ainda não saber que critica ela fez ao ler os escritos de Paulo Honório. Bem sei que não sou nem escrevo um São Bernardo, mas tenho sim receio que meu escrito seja comido pelas formigas que há muito estão no Triste Fim de Policarpo Quaresma, do Lima Barreto. Mas também, que pretensão tenho eu, se o Umberto Eco disse que houve um livro que até hoje ninguém leu porque foi consumido por labaredas nos templos beneditinos de O Nome da Rosa. Ainda bem que não fui envenenado.
Isto que parece um simples inventário traz à tona a menina (porque insisto em chamá-la assim? Talvez eu pense que tem a crescer com suas leituras, deve ser isso, deixemos por isso). E isto basta a explicar a vigília. Talvez seja tempo de terminar minha incursão por seus livros. Não me surpreendo ao notar que os romances são os mais constantes, ainda que já quase equipare com os livros de teorias. Então Sete leu Santa Evita, do Tomás Eloy Martínez? Sabia que tinha assistido ao filme, mas o livro? A Pessoa, de Evita, parece-me uma heroína dos romances cor-de-rosa, afinal, basta seguirmos a trajetória da personagem para bem sabermos que ela se daria bem nos tempos de M. Delly, mas não via Zero!
Presente? Com dedicatória? Abro e leio. Tenho em mãos o volume I de Operação Cavalo de Tróia, de J.J. Benitez. Sete o traz nos livros lidos. Será que da Emily Brontë Sete só leu O Morro dos Ventos Uivantes? Vejo um livro do Cristóvão Tezza é o Uma Noite em Curitiba, Sete também leu um conto com esse nome? Não, não, o conto é "O vampiro de Curitiba" ou algo assim. Continuo minha peregrinação ciente de que não darei conta da tarefa porque Sete lia muitos livros emprestados, infelizmente ela não faz anotações do que lê, então, não tenho culpa de não dar conta de tal tarefa.
Os portugueses aparecem em menor número, no entanto há aqui Aparição de Vergílio Ferreira, O Primo Basílio e o Crime do Padre Amaro, do Eça de Queirós. Certo é que Sete leu alguns bons contos portugueses, ainda que pouco romances.
Nessa noite não pensei mais nas leituras de Sete. Já estava para passar minha tarefa ao Paulo Honório quando a encontrei com o Fernando Pessoa. Mas isso é poesia! Não sabia que Sete lê poesia, revejo seus livros e há uns poucos volumes deles. Lá o sr. Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Gregório de Matos, Ana Cristina César e as Espumas Flutuantes do Castro Alves. Uns poucos poemas soltos do Mário Quintana e do Manoel Bandeira. Entrei, sem ser visto. Ouvi-a ler o "Tabacaria". Indago, silenciosamente, se praticado a metafísica. Creio que não, mas come chocolate. Deixo-a lá, com o heterônimo Álvaro de Campos, ainda com sua "Tabacaria". Sete sabe que nada é, mas tem todos os sonhos do mundo.
Fato é que nunca mais voltei a olhar os livros de Sete nem a assistir aula com ela. Eu me cansava da luz amarela e de alguns professores que simplesmente não davam aulas. A verdade é que eu me sentia pungido e aborrecido com os métodos que não mudavam nunca. Assim, não assisti a nenhuma outra aula. Sete foi a todas. Não sei como não mostrei a ela que em algumas aulas era melhor ter à mão um bom livro.

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"Foi aí que me surgiu a idéia esquisita de, com o auxílio de pessoas mais entendidas que eu, compor essa história". Quis ser o primeiro a começar. Debatemos a transação até o lusco-fusco. Não deixaram. Até ofereci trinta contos, e resolveram que começava o Rodrigo S. M.
Num cinzento dia de 1999 a encontrei com os olhos vermelhos e inchados. Aperuei meia hora e percebi, aberto no colo, Amor de Perdição. Não sei se encontrou lágrimas para ler um outro Camilo, penso que não. Tentei debalde canalizar para termo razoável esta prosa que se derrama como a chuva da serra, e o que apareceu foi um grande desgosto.
Era já o fim de 2000 quando a visitei durante uma aula. Vi-a recontando ao seu modo, que era o mesmo de Dumas Filho, A Dama das Camélias. O objetivo da leitura era apresentar as escolas românticas e realistas, mas isso já é outra história.
Sol, chuva, noites de insônia e nem sequer me resta a ilusão de contar uma história proveitosa. Visito-a novamente e Sete traz consigo O Ateneu, do Raul Pompéia. Novamente é ela que conta à história aos colegas, depois dissecam o que pensam ser a leitura da obra.
O tempo, do relógio, passa rápido com um livro nas mãos. Sete prepara-se para a conclusão do curso, tem pronta a monografia. Descubro que o tema não foi idéia dela, mas, visto seu repertório de leituras, não poderia ser mais apropriado. Vejo que Sete passou da catarse à critica com seus romances, tem bem delimitado os prazeres e as fruições de seus livros. Volta e meia ela insere um romance após um livro de teoria, parece balancear os seus objetivos.
A gente do eito se esfaldaria de sol a sol e não se poderia reconstituir a história de Sete. Está visto que o Brás Cubas já rondou os livros dela e o resultado é que faço o mesmo. Já que ela traz tão bem separado o que leu do que lerá, vou logo para o que há de por vir, afinal, não sei se serei novamente requisitado para tal serviço: Moby Dick, do Herman Melville; A República dos Sonhos e o Guia-mapa de Gabriel Arcanjo, da Nélida Piñon; A Convidada, da Simone de Beauvoir; Memorial de Ayres, Machado de Assis; O Colar de Veludo, e O Medalhão, do Alexandre Dumas; A Relíquia, do Eça de Queirós; A Cartucha de Parma, do Stendhal; Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida; Pão e Sangue e A Guerra Conjugal, do Dalton Trevisan; O Verão e as Mulheres, do Rubem Braga. Catatau, do Paulo Leminski; As Quatro Estações, do Antonio Bulhões; A Hora da Verdade, Pedro Bandeira.
Às vezes entro pela noite, passo tempo sem fim acordando lembranças. Reflito que nos três últimos anos as leituras de Sete alternam-se com as obras de teoria e ficção, sendo que há uma dedicação maior àquelas.
Nisto percebo que é chegado o penúltimo momento de minha tarefa, já é 2004! Sete tem em mãos A Teus Pés, da Ana César. Não sei que poesias ou tragédias passam por sua mente, sei somente que a vi lendo Olga uns dias depois de ter assistido ao filme. Demorou-se na carta de Olga Prestes, ficou atenta a política que jazia na história da moça.
De minha parte fico contente quando a vejo lendo Viriato Corrêa, no Cazuza, para alguma criança que aparece. Sei que não o leu na infância. Talvez por isso também conste em seus livros para ler Os Colegas, da Lygia Bojunga. Há algo da infância que precisa ser relido, ou lido. Mas, como já disse, é o ano de 2004 e ouso recuperar que o que foi concebido em 1979 sofre agora uma nova fase.
Enfim, após três anos de exaustivos processos seletivos, Sete conseguiu um novo número. Agora é Dois. Não ficou feliz nem infeliz, talvez, como disse o Guimarães Rosa, ela alterne-se entre esses dois momentos.
Mas, tenho quase certeza, que neste 2005 ela vai reler as crônicas do Afonso Romano de Sant'Anna em seu Que Presente te Dar. Já sei que começou o ano lendo Dan Brown, no seu O Código da Vinci, não sei se infelizmente, mas foi logo esquecido diante do diálogo de Larry e Ramírez construído por Manuel Puig na sua Maldição Eterna a Quem Ler Estas Páginas. Bom, mas há aqui O Risco do Bordado e Os Sinos da Agonia, de Autran Dourado, o Pedro Páramo, do Juan Rulfo e Sem Nome, do Helder Macedo.
Passei uma semana nesse jogo, colhendo informações sobre a idade, a saúde e as leituras dessa leitora. Vejo, no entanto, que as Memórias Póstumas de Brás Cubas são melhores que as que eu conto em vida. Mas só eu sei que o Machado não foi vencido por um "foi-se". Ela leu Dom Casmurro recentemente.

...

Meus autores tinham um número de páginas para contar essa história. Pelo visto, em alguns momentos, correram contra as laudas e deixaram de lado situações importantes. Volto então para dizer que o professor que interrompeu a leitura na 5ª série, voltou a ser meu professor no penúltimo ano da graduação e outras histórias conheci por conta dele. Hoje ele está aposentado e atende pelo nome real de João Bacelar Siqueira. Também esqueceram de contar que por três anos consecutivos tive por professor de Literatura e Língua Portuguesa um Engenheiro Civil. Talvez por isso o Brás Cubas tenha se horrorizado tanto com suas visitas.
Os clássicos foram-me apresentados pelo professor Aécio Flávio de Carvalho, que, apesar de ter o mesmo sobrenome que eu, não é meu parente, mas é quase sangüíneo o laço deixado por ele nas indicações das epopéias e também da poesia lírica: Virgílio (Bucólias ou Églogas); Catulo (Carmina); Ovídio (Ars Amatoria), Horácio (Odes).
As leituras dos portugueses saíram das mãos da professora Evely Vânia Libanori e, depois, da professora Marisa Correa Silva que apresentou Helder Macedo, Cesário Verde, José Régio. Àquela não só indicou o caminho aos portugueses, como entre gestos e mais gestos (ah os italianos!) incitou em mim a curiosidade de saber o que havia na Clarice Lispector. Depois, já encerrada a graduação, incentivou-me a conhecer outros estilos e foi assim que li Santa Evita, resultando num trabalho apresentado em co-autoria. Ainda emprestou-me (e devolvi) o Autran Dourado, depois o Cristóvão Tezza, entre outros. Encerro por dizer que não cabe aqui a dívida que tenho com a professora Evely.
E a Nélida Piñon? Ah! a Nélida! Essa me chegou através da professora Lúcia Osana Zolin, que com seu olhar feminino, com uma crítica feita por mulher, trouxe à tona uma escrita de mulher.
Na seqüência, tive por orientador de monografia o professor Arnaldo Franco Junior. Ele, ao saber do meu gosto por romances, presenteou-me com A Virgem e o Cigano. Depois emprestou A Força do Destino e A Asa Esquerda do Anjo.
Com o fim da graduação freqüentei aulas na pós, na condição de aluna não-regular, e, ainda que o curso versasse para a teoria, foi lá que tive acesso às crônicas do João do Rio, José de Alencar, Lima Barreto e Machado de Assis. A isso sou eternamente grata ao professor Antonio Manoel dos Santos Silva, também por me apresentar o Zero e as poesias de Ana Cristina César. E por recomendar-me o entretenimento de Dan Brown, no seu O Código da Vinci.
Antes de encerrar essa história, ainda que o Brás Cubas não tenha entendido como fiquei para assistir algumas aulas, ressalto que fiquei porque é no meio do cascalho que se encontra a gema. Nessa bateia que é a vida, as poucas gemas que encontrei (não posso esquecer da professora de Prática de Ensino, a exemplar Claudia Hila) serviram-me de exemplo e são eternas responsáveis (ah, eu li sim O Pequeno Príncipe, do Saint-Éxupéry) pelo que cativaram. Sou cativa e espero um dia poder cativar (ou devo dizer libertar?) alguém quando assumir uma sala de aula.



Cleiry de Oliveira Carvalho
 (história de leitura solicitada como atividade do mestrado em agosto de 2005)

2 comentários:

  1. A cativação? Há essa com certeza já desfrutou, e é apenas consequência de um passeio tão denso e frutífero por mundos tão distintos e belos os da leitura.
    Confesso, almejo um dia conseguir metade dessa sua desenvoltura para a escrita, pode ser pretensão, tomo apenas como sonho.
    De novo, e quantas vezes acredito passar por aqui e ler algo seu, darei os parabéns, o meu olhar minúsculo diante dessa grandeza, a da escrita, pode não fazer a menor diferença mas para mim, acredite, faz sim.

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    1. Oi!

      Resposta atrasada, mas valendo: seu olhar não é minúsculo, nunca foi ;) --- uma estudante curiosa não se enquadra no perfil dos olhos reduzidos...

      Creio, pela sua trajetória, que seu olhar dia a dia ganha novas camadas (entendo que ele pode ter sido algum dia mais superficial, mas não é mais!), ganha novas profundidade. A vida ensina para quem esta atento a ela. E você tem aprendido em diversos aspectos: na condição de mulher, na condição de professora, na condição de mãe (e todas as outras que te rodeiam)...

      Eu sei que você tem uma estatura considerada pequena, mas saiba que a sua estatura é agigantada pelo papel que você escolheu ter nessa vida. Você é um grande acerto nessa existência.

      Continuemos crescendo para o bem ;)

      Abraço e saiba que crescemos juntas na FE/UFG. E seguimos depois nossos caminhos, é certo, mas a experiência marcou cada uma de nós.

      PS: ainda bem que temos outros meios de comunicação para mantermos o contato! Esses 6 (seis) anos para responder não foram de ausência em outros espaços ;) --- ufa ;)

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